...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

sábado, 6 de março de 2010

Terceirização em casa

Se a expressão “cargo de confiança” fosse associada a uma imagem, ela teria de ser, na minha opinião, a de uma mocinha tímida, de 18 anos, vestida com um uniforme branco. Cada vez mais, meninas com este perfil são vistas nos play-grounds dos condomínios de classe média, shoppings e festinhas infantis, correndo atrás de seus pequenos patrões. Embora tão jovens e inexperientes, são merecedoras da confiança de casais ocupados demais durante a semana, e cansados demais no final de semana, para cuidar da sua prole.

Para quem cresceu com a mãe em casa, em tempo integral, é um bocado difícil entender como é possível delegar poderes para cuidar de um bem tão precioso. O fato é que, abrir mão dessa ajuda significaria se render à inexorável verdade de que a vida com filhos simplesmente não pode ser a mesma. No entanto, vivemos em um tempo em que da mulher se exige que continue fazendo tudo o que fazia antes de se tornar mãe, do trabalho à ginástica. Como o dia continua tendo as mesmas parcas 24 horas, alguma das tarefas têm que ser sacrificadas, não há outro jeito. E é aí que entram as moças do uniforme branco.

Não se trata aqui de uma crítica ao fato em si, mesmo por que, não sou capaz de pensar em uma solução melhor. O que me intriga é como alguns parâmetros são relativizados, quando nos vemos sem opção. Embora hoje em dia ninguém contrate sequer um estagiário que não fale inglês, quando se trata da pessoa que passará 8 horas cuidando do seu filho em idade pré-escolar, uma mocinha recém-chegada do interior do nordeste, com pouca ou nenhuma desenvoltura ou habilidade de comunicação, é um verdadeiro achado.


Se a prática não pode ser criticada, muito menos podem as tais meninas. Geralmente privadas de instrução formal, tão jovens já se amarram às longas jornadas do cargo, por si só incompatíveis com o desejo de voltar para a escola. Embora estejam expostas a ambientes e pessoas com nível de educação muito superior ao seu, e que, em tese, poderiam contribuir para o seu desenvolvimento, raramente alguém, que não as próprias crianças, se dirige a elas, que passam despercebidas em seus uniformes brancos.


Alguns pais não conseguem abrir mão deste conforto nem mesmo nos momentos de lazer, e carregam essas mães terceirizadas a tiracolo, nos finais de semana. Quem nunca se sentiu constrangido ao ver um casal almoçando tranquilamente em um restaurante sofisticado, enquanto a mocinha do uniforme branco, também à mesa e sem comer, se equilibra na pontinha da cadeira tentando fazer o menino comer umas batatinhas?


O preço pago por esta comodidade toda pode ser um pouco mais alto do que o salário que essas moças recebem no final do mês. Ouvi outro dia a história de uma criança que, ao cair no chão, numa festinha infantil, abriu a boca a chorar e correu desconsolada em busca de colo. A mãe, que logo se abaixou, de braços abertos em sinal de acolhimento, só teve tempo de ver o menino passar direto por ela, e se jogar aos prantos nos braços da moça do uniforme. Está aí uma tercerização cujo custo pode ser alto demais.