...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

domingo, 17 de outubro de 2010

Folhas do outono

Por alguns anos, guardei no meio das páginas de um livro antigo uma folha de árvore. Aquela de 3 pontas, típica de lugares frios, que tem na bandeira do Canadá. Sempre gostei dessa árvore. Como é tão difícil encontrá-la no Brasil, acho que acabei guardando uma, quando encontrei em alguma viagem. Nem me lembrava mais. Na hora da nossa mudança aqui para Berlin, em meio à infindável seção do “isso vai, isso fica", me deparei com o livro. Parei por uns instantes, no meio daquela confusão toda (com 4 empacotadores da empresa de mudança dentro do nosso apartamento, com seus rolos de fita crepe, embalando tudo o que viam pela frente). Sorri ao ver a folha ali escondida, por tanto tempo. Joguei a folha fora, e doei o livro. Assim como nos desfizemos de mais um montão de coisas. Ao parar para ver o que de fato queríamos trazer conosco, notamos quanta coisa vínhamos guardando sem necessidade, talvez só porque tinha espaço de sobra no armário. Sentimos vontade de vir para cá mais leves. E foi o que fizemos.

Engraçado como a gente logo passa a preencher o espaço das coisas antigas, por outras novas. E por coisas não quero dizer apenas copos, livros e toalhas de banho. Às vezes é bom liberar espaço, tanto no armário, quanto na cabeça.

Ainda não faz um mês que estamos aqui na Alemanha, e já nos pegamos completamente envolvidos com assuntos locais, ocupando nosso tempo com coisas que há algumas semanas nem sabíamos que existiam. O bilhete anual de trem, a carta da companhia telefônica que chegou em alemão, o aquecedor à gás que a gente não sabe direito como funciona, o código para abrir o portão do prédio. O que é, afinal, que fala aquela gravação que toca cada vez que o metrô fecha a porta? A gente não acha no dicionário de jeito nenhum!

Não deixamos para trás apenas coisas e pensamentos, mas também pessoas muito queridas... Essas, a gente não substitui nunca, e elas fazem uma falta danada. Mas até neste ponto, parece que ao sair do conforto da companhia dos amigos e da família, ficamos visivelmente vulneráveis, e acabamos atraindo pessoas boas, dispostas a oferecer ajuda, que talvez, em outras circunstâncias, sequer conheceríamos.

Nesta sexta feira, voltando do trabalho, me dei conta que tinha esquecido a chave de casa. Como se pode ver, infelizmente, a mudança para o hemisfério norte não abrandou as implacáveis rajadas da minha cabeça de vento. Cheguei mais cedo, ainda não temos celular, fiquei trancada para fora. Esperei na calçada uns 30 minutos, na lojinha do grego aqui em baixo até o horário dela fechar, e mais uns 30 minutos sentada no degrau da entrada aqui do prédio, no escuro, em um clima “fresquinho” de 6 graus. Foi quando um casal de vizinhos me viu, e, depois de entender o que se passava, me convidou para esperar no apartamento deles, já que estavam aguardando umas visitas, e iam abrir um vinho de qualquer jeito... Um teto e um vinhozinho, àquela altura? Nunca reagi tão rápido, quanto mais em outro idioma.

Esses e outros fatos do dia-a-dia, aqui, têm me levado a pensar. Hoje, ao caminhar pela calçada aqui em frente de casa, completamente coberta de folhas de 3 pontas que estão caindo aos milhares das árvores amareladas pelo outono, me lembrei da folha idêntica que eu guardei por tanto tempo, dentro do meu livro. Parece que às vezes precisamos abrir mão de algumas coisas, para podermos experimentar outras que a vida tem para oferecer. Não raro, lá vem ela com infinitamente mais do que sequer podemos pedir ou imaginar.