Acho que já houve um tempo em que era possível dizer de onde uma pessoa vem, simplesmente com base na aparência, no jeito de vestir, ou no comportamento. Hoje em dia, não é tão fácil.
Tenho percebido isso no trem e no ônibus, aqui em Berlin, onde tem gente do mundo inteiro. Enquanto não chega a minha estação, e quando não estou folhando o meu Michaelis tentando traduzir as propagandas dentro do vagão, fico observando as pessoas ao meu redor. Com base no visual tento adivinhar quem é de onde. Só dá certo se, em algum momento durante a viagem, a pessoa começar a conversar com alguém ao lado, ou, atender o celular, por exemplo. Aí, dependendo do idioma, vejo se acertei ou não. Ah, e se a pessoa puxar da bolsa um livro ou um jornal para ler, também funciona, contanto que eu esteja perto o suficiente para dar aquela esticadinha, de rabo de olho, para ver o idioma da leitura. Não é xeretar a vida alheia, longe disso. É um experimento cultural, ou intercultural, melhor dizendo.
Tem gente, às vezes, que eu juro de pé junto que é brasileira. Tem aquele olhar esperto, prestando atenção em tudo o que acontece ao redor, como quem já andou muito na praça da Sé, sabe? Sempre achei que só brasileiro tinha esse olhar. Outro dia tinha uma moça negra, alta, bonita, com esse olhar. Fiz minha aposta. Daqui a pouco ela esbarra alguém e manda um “entschuldigung”, sem sotaque algum. Errei de novo. O estereótipo do Alemão, loiro, dos olhos azuis, não ajuda mais. A moça loira e alta ao meu lado no ônibus, com toda a pinta de alemã, desandou a falar português de Portugal ao celular, sem mais nem menos. Parecia piada. Já a japonesa, de um metro e meio de altura, sentada lá perto do motorista, deu uma bronca nos dois filhos, em alto e bom alemão. Bronca em alemão é mais bronca. Morri de medo.
Acho bacana ver como, no mundo de hoje, é possível que tantas culturas convivam em um mesmo espaço. Por um lado, é interessante ver como pessoas de diferentes origens podem se passar uma pelas outras, mostrando que somos realmente todos iguais, feitos do mesmo material, capazes de aprender as mesmas coisas, a depender apenas do que nos ensinam.
E justo aqui, onde um dia um maluco decidiu que quem não era ariano não merecia viver, é gostoso ver esta mistura de cores e línguas. Só espero que cada uma das culturas resista sempre à tendência de nos homogeneizarmos demais. Neste nosso tempo em que falar inglês geralmente basta, em que todo mundo assiste os mesmos seriados de TV, e quer roupas da mesma marca, torço pela manutenção de algumas diferenças, aquelas que continuam fazendo do mundo um lugar tão interessante.
No que tange às alemãs, devo dizer, uma diferença está definitivamente preservada. Na experiência acumulada até agora, na adivinhação de quem é de onde, uma técnica não falha nunca. A despeito das lojas chiquérrimas da Friedrichstraße e da Kudam, e do bom gosto dos alemães para roupas, utensílios e decoração, uma coisa é certa: loira ou morena, alta ou baixa, olhos claros ou castanhos: se o sapato for feio e parecer masculino, a moça é alemã. É batata! Aliás, uma hora dessas precisamos falar sobre as batatas...
(Era uma moça, juro!)