...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Trezentos e sessenta e cinco

Um ano é bastante coisa. Se pensarmos em quantas vezes saímos de casa de manhã para o trabalho, quantas vezes esperamos o ônibus chegar, o semáforo abrir, a água ferver. Quantas vezes fomos ao mercado, fizemos o jantar, recebemos visita, arrumamos a bagunça, bagunçamos tudo de novo...  E se imaginarmos tudo isso como um filme acelerado, em que as pessoas parecem formiguinhas rápidas correndo de lá para cá, aí é que a gente tem uma idéia de quanta coisa cabe em um ano.

Quando fomos buscar os meus pais no aeroporto, no início do mês, me dei conta de que há um ano não via o rosto deles. Nos falamos praticamente todos os dias, é fato. Até com maior frequência do que quando, ao invés de um Atlântico, havia apenas a Avenida dos Bandeirantes e um trechinho da Marginal Pinheiros entre nós. Mas ver, ver mesmo, foram quase os trezentos e sessenta e cinco completos.  Aquela imagem  “vai-não-vai” do Skype não serve para nada. Aliás, acho que até atrapalha. É como um diálogo sem ritmo, daqueles filmes mal dublados.

 Mas o curioso é que, assim que os encontrei no portão do desembarque, logo me assombrei com o fato de que parecia que os tinha visto no dia anterior.  Não senti qualquer distância, qualquer tempo perdido, qualquer estranhamento. Acho que quando a gente ama muito alguém,  tem algo que garante a proximidade, a despeito de estarmos sentados lado a lado no sofá da sala, ou a milhares de quilómetros de distância.  O fato de termos nos mantido rigorosamente a par do que acontecia nas nossas respectivas vidas, e de nos conhecermos tão bem a ponto de sabermos se o dia foi bom ou não, pelo tom da voz ao telefone, parece quase ter suprido a necessidade da proximidade física. É como se esses “laços de família”, como se diz por aí, fossem de fato estreitos, mas ao mesmo tempo incrivelmente elásticos e compridos.
Não há nada como um abraço bem apertado, é bem verdade. Eu mesma daria tudo para receber um ou dois daqueles do portão de desembarque, todos os dias, para começar bem a manhã ou ao voltar para casa, depois de um dia difícil no trabalho!  Mas o que eu posso dizer, agora por experiência própria, é que há muito, mas muito mais do que o contato físico de um bom abraço, nos relacionamentos humanos sinceros. E não pode haver amor mais sincero do que aquele de pais capazes de renunciar a proximidade física, o convívio, para permitir que busquemos o que procuramos, onde quer que seja.  Para esse tipo de amor, um ano é fichinha.