...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Enquanto você dorme – Parte 2

Hoje faz um mês que você chegou em casa e eu decidi que a data merece uma segunda carta. Afinal de contas, 30 dias se passaram desde que você explorou a nossa casa pela primeira vez, abrindo todas as gavetas e portas de armário, escondendo os controles remotos e andando de um lado para o outro no corredor, tentando achar de novo a porta do seu quartinho. Quartinho esse que você reconheceu como seu e do qual tomou posse imediatamente, ao ver uma cadeira de balanço e um cavalinho vermelho, que te esperavam para ser balançados.

Nestes 30 dias muita coisa mudou na nossa vida e na nossa rotina. Todas as manhãs tenho acompanhado a sua empolgação, enquanto fica sentadinha no vaso esperando ouvir o barulhinho do cocô cair na água. E quando o tão esperado evento acontece, com que alegria você me olha e chama o papai, a vovó, a Sandra (nossa ajudante da limpeza) e quem mais estiver - ou não estiver - em casa, só para ver o seu feito!!! Para quem usou fralda a vida toda até agora, é mesmo um enorme passo para a libertação: o raiar de dias de mais dignidade! De fato, tudo deve ser mais digno do que seguir com o cocô grudado em você até alguém se lembrar de trocar a sua fralda.

E por falar em raiar do dia, faz tempo que não ouvia alguém dizer com tanta convicção “bom dia sooooool” ao abrir a janela de manhã... mesmo que esteja chovendo cântaros, como é o caso de hoje. A simplicidade das coisas que te fazem feliz, faz a gente ver o mundo com outros olhos. Hoje ao sair com você para ir buscar banana – cujo consumo aqui em casa bateu agora recordes históricos – notei que um canteiro extenso de flores tinha aberto os seus botões de ontem para hoje. Não  tinha nem reparado neste canteiro até outro dia, quando você começou a apontar para as "fozinhas" no jardim.

O seu radarzinho para as coisas que são importantes para você, fazem a gente olhar para direções que nunca havíamos olhado. Da janela do carro – que mantemos fechada e travada contra o seu dedinho nervoso – você avista brinquedos coloridos aonde for. Agora me dei conta que todo Mc Donalds tem uns brinquedos de plástico na porta. Juro, nunca tinha reparado. E em avenidas que a gente passa tão rápido, só de olho no trânsito e no radar, você já detectou todas as lojas de playgrounds e piscinas de fibra de vidro, que ficam ali expostas sem água e em pé. Não importa. Você quer entrar nelas mesmo assim. “Po maiô, mamãe?”

Demorou uns dias para eu entender que fugir só de fralda pela casa, e não deixar eu colocar a sua roupa depois do banho, não é um ato de rebeldia ou protesto. É uma das horas mais divertidas do dia  para você. Você sabe que deste pega-pega a gente não vai desistir, e isso dá mais graça na brincadeira. E quando você cansa de correr, se enrola na barra da cortina rendada (ou seja, transparente), e fica ali quietinha, ofegante, certa de que a gente não consegue te ver. Também só agora estou entendendo, que te dá um certo prazer dizer não. "Não" para tudo - ou quase tudo - que a gente te oferece. Com a exceção de danone, maçã, bolacha e banana (sobre a qual já falamos acima), sua resposta é sempre não. E com uma veemência quase que dramática. Acho que é só para garantir a sua posição na negociação e deixar claro que você, aos 2 anos de idade, já tem o poder de decidir o que engole e o que não engole mais. Justo. Sorte que na maioria das vezes, você reconsidera a questão e acaba mandando quase tudo para dentro!

 Não dá para descrever tantos sentimentos com precisão, a menos que o camarada seja poeta. Só sei que ter você aqui é como começar a ler um outro capítulo do livro da vida, o qual até agora, só havíamos visto no índice, assim de relance. Sentimos orgulho quando você cativa os nossos amigos, ternura quando você nos pede colo, achamos graça das suas carinhas, nos preocupamos quando você tosse, nos sentimos impotentes quando você diz que não vai comer e não come mesmo, e derrotados quando você acha o castigo divertido. É, o capítulo novo promete!