...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O meu armarinho branco

Não é segredo, para ninguém, que voltamos de Berlim um pouco contrariados. Me lembro de sentar no nosso quarto de lá, alguns meses antes do retorno, olhando fixamente para o armarinho branco que tinha no nosso quarto, e pensar que eu não queria abrir mão dele. Não queria mesmo, de jeito nenhum. O guarda-roupa pequenininho, em estilo antigo mas comprado na Ikea, representava nessa hora muito mais do que um móvel simpático. Era o símbolo de uma vida sem armários embutidos, sem carro, sem medo de andar na rua, e em que nem tudo precisa estar ornando ou conforme o protocolo. Se preferir uma descrição mais conceitual, uma vida com mais mobilidade, mais simplicidade, mais autêntica e com menos frescura.

Em Berlim me senti mais jovem do que me senti aqui no Brasil há 10 anos. Voltar de um jantar de amigos de madrugada de bicicleta, ir à festa de casamento de outro amigo de ônibus (sim, de ônibus!), levar banana na bolsa para comer no trem. Deixar o armarinho branco lá seria perder tudo isso, e de uma vez. Trazer ele para cá e não ter onde colocá-lo (já que vivemos em uma sociedade de armários embutidos tediosamente planejados) poderia ser um choque ainda pior.

Tentei até me desfazer dele de forma altruísta, doando para uma colega do trabalho que estava precisando de um armário novo. Ela não tinha carro para ir buscar lá em casa e achou o frete profissional muito caro. Preferiu deixar para lá. Estava selado o destino do armarinho. Rumo ao Brasil, assim como nós.

Como muitas coisas na vida, depois de algum tempo (às vezes mais, às vezes menos) entendemos que a picada da injeção era de fato para o nosso bem, como a mamãe sempre disse. Neste caso, não inventaram ainda régua, balança ou escala que seja capaz de medir o tamanho do bem que nos esperava aqui. Na semana que que se completaram 2 meses desde que a Giovanna chegou, não escrevi enquanto ela dormia a soneca da tarde, como nos últimos posts.

Por alguma razão nesta tarde ela não quis dormir na caminha dela, e tive que deitar com ela na minha cama, até o soninho chegar.  Do jeito que me deitei, de barriga para cima e com ela debruçada sobre o meu peito, respirando fundo e quietinha, fiquei bem de cara com o armarinho branco, exatamente ocomo eu fazia nos meus dias despedida de Berlim. Tive a imediata sensação de que Deus poderia muito bem estar sentado bem ali em cima do armarinho (que afinal coube na nossa nova casa no Brasil), me encarando e balançando displicentemente os seus pezões celestiais, rindo da minha incredulidade daqueles tempos. Aqui estou eu com esta jóia adormecida nos meus braços, não apenas me sentindo mais jovem... mas revendo a infância  de perto, diariamente, pelos olhos da minha filha. Era preciso voltar e abrir mão da vida que tínhamos lá, para encontrarmos esta pessoinha tão especial aqui, na hora certa e no lugar marcado. E de lambuja, Ele até deixou a gente ficar com o tal do armarinho. No que depender da Gi, vamos continuar levando banana na bolsa por um bom tempo. E, agora em três, onde quer que estejamos, vamos continuar, na medida do possível, tentando evitar os armários embutidos pela vida!