Se a espera pela Giovanna, nossa
primeira filha, foi uma gravidez de desconforto
infindável (pela longa demora de
quase 5 anos na fila da adocão), foi o momento da chegada da Agatha – e
não a espera por ela - uma das dores mais agudas que já senti. Um parto de
contrações ininterruptas que durou mais de uma semana.
Conhecer sua pequena filha, tão
esperada, e não poder trazê-la para casa imediatamente, é uma prova de nervos. É
parecido com o drama das mães que deixam bebes na UTI do hostpital, quando
nascem prematuros. Voltam para um quarto de bebê vazio, ainda sem ocheiro ou o barulho que todo quarto de bebê merece ter.
Passar o dia todo trocando calor
e olhares com aquele nosso pequeno sonho que se concretizou, e à tardinha dizer
tchau. Colocar a criança que já amei nos primeiros instantes, de volta nos
braços de alguém que faz o melhor que pode, com poucos recursos e tendo mais
dezenas de crianças e adolescentes para cuidar.
Como doía o meu coração cada vez
que eu estendia os braços neste movimento ingrato, de entregar minha filha para
vê-la novamente só no dia seguinte, no horário permitido de visita. Algumas
vezes a entrega teve que ser a uma ou outra adolescente, também abrigada no local, pela
falta de braços da equipe de cuidadores no momento da troca de turno. Eu me oferecia para ficar pelo menos
mais um pouco, niná-la e coloca-la no berço eu mesma. Mas não era possível
acomodar a rotina que eu idealizava para a minha bebê, em meio a criançada
maior que precisava ainda jantar, tomar banho e os adolescentes que tinham seu
momento de conversar alto, assistir TV e ouvir musica (funk) em volume perturbador, no porão escuro e de chão frio, onde ficavam todos juntos até mais tarde, na hora de
subir para os quartos e dormir.
Ia embora com o coração oscilando
entre a tristeza profunda da impotência, e a alegria aguda por saber que aquele
desejo já tinha nome e rosto, só não estava em casa ainda.
Durante as noites, que acredito
tenham sido as mais frias do inverno deste ano, não parava de ouvir na minha
cabeça aquele chiado pertubador do peito dela, que por óbvio precisava de um
tratamento mais efetivo do que a inalação apenas com soro que vinham fazendo, ainda que diligentemente
por lá. E a aflição so aumentava quando
a Giovanna me perguntava inconformada, com uma expressão inquisitória:
_ Mae, como você pode deixar a minha
irmã lá?
Foi mesmo um parto dolorido. Mas
tendo a crer que havia um motivo para esta demora. A dor do outro,
personificada no Lucas.
Aquele menino especial de 16
anos, que esteve ali desde bebê, abandonado por conta da sua deficiência.
Durante todas as minhas longas visitas à Agatha nesta semana, o olhar perdido
dele se fixava por alguns instantes nela, e ele vinha, com seu andar
cambaleante e seu descontrole motor, beijar a bebê que amava. Quantas Agathas, bebês
saudáveis, bonitos e perfeitos, ele viu chegar ali, e sair nos braços amorosos
de pais que ele não teve e nunca terá. E minha dor incluía, devo confessar com
vergonha, o sentimento de receio pela integridade física da Agatha, que este
rapaz insistia em pegar no colo, apesar de não ter condições motoras para isto.
Na noite de quarta-feira em que
finalmente foi emitido o termo de guarda pelo fórum, fomos eufóricos, em
família, buscar a nossa bebê lá. Ao tocar a campanhia, pela primeira vez eu
notei que da rua era possível ver uma janela, a janela do quarto dos meninos
grandes. A luz estava apagada, mas pude reconhecer perfeitamente a silhueta do
Lucas, que olhava fixamente na direção do portão, onde estávamos. Imóvel, sem os
movimentos oscilantes e involuntários que costumava fazer. Ele acenou para mim.
Parecia mesmo saber que era a última visita, e que não veria mais esta sua
bebê. Ao menos não até a chegada da próxima na casa.