...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

sexta-feira, 22 de maio de 2020


Dois anos de vendaval

 Hoje notei que faz um ano que não escrevo um texto aqui. Eis a razão.

Imagine um vento que vem assim do lado, pelo cantinho da janela, na forma de uma brisa quente e gostosa. Quando a gente se dá conta, a brisa virou um vendaval daqueles que balança tudo, derruba quadro da parede, retrato da estante, faz a porta bater e te deixa tonto sem saber direito de onde está vindo e para onde vai. Ganhei um presente assim, na forma de vento, ha exatos dois anos, data que comemoramos hoje com tanta alegria aqui em casa.

Agatha, você  é o ar que refresca o meu peito, varre velhos conceitos dos cantos do meu coracao e  sacode as nossas vidas todos os dias, num misto de doçura, fibra e esperteza que me desafia e consterna. Com você me dei conta do estágio ainda incipiente em que me encontro, na escala de evolução como ser humano. Ainda preciso crescer muito para conseguir te entender e ser a mãe que você precisa. Você não se cansa. Desde que aprendeu a ficar em pé sobre as suas perninhas gordas, você já escalou algumas pias de banheiro, a mesa de jantar par abalançar o lustre de garrafas, a mesa da cozinha para dançar em cima do tampo, a escrivaninha da sua irmã par apegar canetinhas na estante e o piano para tocar com os seus pezinhos.

Você lembra de coisas que falamos faz tempo, de pessoas que encontramos há meses, de músicas que cantamos so uma vez. Faz uma pergunta bem esdrúxula e depois responde “ah tá”, satisfazendo-se imediatamente, quando a gente tenta responder. Acorda perguntando se já está “todo dia” e pergunta se "já está de noite" assim que o começa a cair a tarde. Você me dá, inesperadamente,  abraços tão apertados que enchem o meu peito de uma alegria que eu não sabia existir, para depois arremessar meu óculos longe com raiva na hora da birra. Minutos depois, quando me vê sorrindo por algum motivo, pergunta se eu já estou feliz, querendo saber se já esqueci do ocorrido. Puxa o pelo do cachorro, sai correndo com o braço para cima levando o ossinho dele para longe, depois poe a sua cabecinha junto com a dele e diz “te amo Tobias”.  Voce sabe quando fala coisas engraçadas. Ri com os olhos, esperando para ver o que a gente entendeu. Pula batendo palminhas quando eu falo que vai ter bolo de chocolate, como hoje, e na hora que ganha o seu pedaço, só quer catar o granulado, um por um com os dedinhos, por horas a fio se eu deixar. Voce vira bicho quando eu tiro o celular que o seu pai deu na sua mão, para você ver desenho e deixar ele trabalhar em paz. Voce gosta de passar o meu batom, não apenas na boca ou no rosto, mas especialmente nos braços, de maneira metódica que não se acha um pontinho com cor de Agatha neles. Só cor de curupira. Voce sonha muito de noite, grita e briga dormindo, acordando todo mundo de madrugada. Voce adora cosquinha, e ri tanto que solta pum e pergunta olhando de lado, com o dedinho apontando para o ouvido: “Tutou?”.

Quando você me deixa maluca – quase todo dia, em especial nesta quarentena que estamos vivendo -, basta lembrar do quanto eu quis que você viesse logo para casa há dois anos. Trazer você para perto de nós e poder te proteger foi uma das maiores alegrias e alívios que já experimentei. Tudo isso já seria maravilhoso, mesmo com toda a turbulência do seu ventinho, mas ainda tem mais. Você fez da Giovanna uma grande irmã. Ela briga com você o dia inteiro na nossa frente. Quer o mesmo copo. O mesmo número de bolachas. Sentar no mesmo lugar. Fala que você é chata e só chora.  Que você baba nos brinquedos dela, e os arranca imediatamente da sua mão. Mas quando não estamos olhando, e preciso confessar que já espionei e constatei com meus olhos algumas vezes, ela te protege como uma leoazinha. Te ensina o que ela sabe, fala mansinho,  te faz carinho, canta para você, e sorri com aqueles dentões enormes dela que a gente ama tanto ver expostos por aí.  

Pode continuar ventando, minha bebezinha. Você soprou e fortaleceu a brasa do meu desejo de ser mãe, e tem me dado a chance preciosa de ver um novo ciclo de vida se desenrolando diante dos meus olhos: o seu. Me dá uns minutinhos para respirar de vez em quando, se puder, mas segue soprando o seu ar de vida intensa sobre nós!