...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Dona Maria

Por muitas vezes nos perguntamos a que veio ao mundo a D. Maria. Desde mocinha, segundo ela mesma conta, pouco uso fez das próprias pernas. Não sei bem como ela e o Sr. João se conheceram, e o que o levou a adotá-la como esposa (sim, este é o termo mais apropriado). O fato é que ele cuidou dela como um pai. Durante 50 anos de convívio, lhe levou o café na cama, fez o almoço e a feira. Até que, há alguns anos, decidiu vagar o posto e foi embora deste mundo para um merecido descanso, deixando a D. Maria por aqui, mais dependente do que a encontrou.

As 2 meninas às quais a D. Maria deu a luz, cuidam dela como se dela fossem mães. Não só agora, mas desde crianças. Nada mais justo do que 2 pequenas mães para alguém que perdeu a sua própria, aos 9 anos, e ainda ficou encarregada de comprar as flores para o enterro. Um trauma cujas conseqüências permearam toda a sua vida, assim como a das pessoas que com ela conviveram.

D. Maria não deixava a filha sair para ir à escola a menos que a menina – com 7 anos de idade – arrumasse e trouxesse alguém para fazer companhia à mãe. Caso contrário, batia a cabeça na parede. Jurava que ia se matar. Dizia que era muito doente, e que não duraria muito. A menina ouvia apavorada, largava os cadernos no chão e voltava para dentro de casa, com medo de ser a causadora de uma tragédia. Tanto ela obedeceu, que D. Maria sobreviveu, e hoje, aos 85 anos, por vezes ainda usa o mesmo argumento.

Curioso como D. Maria jamais perdeu o juízo. Por maiores que fossem os surtos de pânico, sua lucidez em momentos de calma sempre foi invejável. Ou você conhece muitas senhoras desta idade que sabem de cor a escalação do Corinthians?

As filhas não têm um pingo de ressentimento da D. Maria. Ao contrário, cuidam dela com um zelo imenso, que poderia até ser classificado como excessivo, não estivéssemos falando desta figura peculiar. Tenho a impressão de que, assim como a natureza molda a aparência dos bebês, para que despertem nosso instinto de cuidado e proteção, ela parece ter feito com a D. Maria. A despeito de todo o trabalho que ela já deu, e das cenas que ela já aprontou, o seu rostinho tão marcado pelo tempo segue apagando as memórias ruins e aumentando o desejo de lhe proporcionar alegria e bem estar. Desejo este que mobiliza não só as filhas, mas também genros, netos e companhia.

Conheci a D. Maria já no seu (tímido) papel de avó, e a maior parte do que relatei acima me foi contado, e não vivido. O que sei é que hoje ela voltou para casa, de uma curta estada no hospital, e que, pela primeira vez, sua lucidez parece estar dando espaço para alguns episódios de ausência. Com base no histórico, tenho certeza de que é Deus, mais uma vez, trabalhando para poupá-la dos sofrimentos dessa fase da vida.
Tem muita sorte mesmo, essa D. Maria. Pra falar a verdade, nunca foi DONA de nada, nem da própria vida, mas, de um modo ou de outro, sempre teve quem cuidasse desse precioso bem para ela... e com olho de dono!

Um comentário:

  1. Figurinha a D. Maria.... como a própria filha dela diz...
    Espero que ela fique bem.

    Bjo.

    Quel

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