...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Uma capa. Dois homens.

Depois de um bom tempo sem escrever, sobre o que não vou me justificar agora - e nem depois –, hoje me deparei com uma situação que pede, ou melhor, exige um texto. Deixar esta passar batido seria como achar aquele chocolate amargo suíço que a gente adora, na promoção de 3 por 1, e não pegar pelo menos um pacotinho. Ou como ver que está passando o seu filme preferido na sessão da tarde, e não assistir pelo menos até o próximo intervalo.

Em 1982 um engenheiro brasileiro de trinta e poucos anos, que fazia um cursinho picareta de inglês duas vezes por semana, foi chamado para trabalhar em Michigan, EUA. Teve que se virar por lá, aprender tudo rapidinho no trabalho, se dar conta de que o seu inglês ainda não dava conta do recado, cuidar da mulher e de dois filhos que carregou na mala. Um ano de perrengue, aprendizado, mas principalmente, de encanto. Encanto com tudo o que era diferente, com os produtos diferentes no supermercado, com o fato de ser chamado só pelo sobrenome, com a neve, com o comportamento esquisito dos vizinhos, com tudo. Foi este o mesmo ano em que uma capa de cor caqui, à la detetive, teve um destino muito diferente dos demais casacos que aguardavam pendurados na mesma arara, por um comprador que os levasse para casa. A sortuda prestou serviços durante apenas um inverno. Nada mais. Nunca mais haveria para ela, nos trópicos, o dever de aquecer alguém. Ficou guardadinha, na vida mansa, protegida e bem cuidada, durante, pasme, 30 anos. Nenhuma mancha, nem mesmo sequer um botão solto ou  um fio puxado. O homem que a capa aqueceu, em 1982, foi o meu pai.

Mas o que ninguém tinha percebido, é que a capa era encantada. Passado este longo período de hibernação, um fenômeno incrível se manifestou. Do fundo do armário,  o encanto encontrou uma brecha - que até então nem as traças tinham achado – passou por entre as dobras do embrulho que protegia a roupa, e fez com que alguém, que passava ali pelo quarto naquele momento, subitamente se lembrasse do item aposentado.  Sem mais nem menos, a capa foi mandada para a tinturaria, lavada, passada, e colocada de volta na ativa. Desta vez, enviada para uma nova missão, em outro país gelado.

Hoje à noite nevou aqui em Berlin. Uma noite de quinta-feira geladinha, perfeita para um programinha cultural a dois. Combinamos de ir à ópera depois do trabalho, nos encontraríamos na saída do metrô. Foi quando vi chegando um moço alinhado, coberto por aquele tecido caqui. Exatamente como primeiro proprietário da capa, ele tem hoje seus trinta e tantos anos, aprende uma nova língua, enfrenta e se encanta com as diferenças de um novo país, e cuida de mim. A mesma capa, com um intervalo de 30 anos, aquecendo os dois homens da minha vida. Vai dizer que a vida, em si, não é cheia de encantos? 

 

3 comentários:

  1. E se é! A todo sacro e santo momento!
    So cool! Amei!
    Beijos para vocês!

    ResponderExcluir
  2. Muito boa a história...da quase um livro!!
    beijos com saudades
    Dani

    ResponderExcluir
  3. Olá, tudo muito frio por aí?
    Curtam o frio a dois, aqueçam os corações em companhia da bela capa!
    Um abraco,
    Priscila

    ResponderExcluir