...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Lágrima de fada

Era uma vez, uma princesinha, que nasceu muito longe de onde o papai do céu queria que ela tivesse nascido. Era uma bebezinha linda, encantadora.  Assim que ela nasceu, um anjo prestou muita atenção nela, e cuidou para que ela fosse morar em uma casa muito especial, até que o papai e a mamãe dela, pudessem encontrá-la e ir buscá-la.  Este lugar especial era a casa dos bebês, onde trabalhavam fadinhas muito especiais.

Fadinhas que cuidaram da bebezinha com tanto amor, tanto amor, que ela nem percebeu o tempo passar enquanto esperava o papai e a mamãe. Durante dois anos, deram todos os dias a bebeira para ela com muito carinho. Trocaram muitas e muitas fraldinhas, deram banho, ouviram as primeiras sílabas que ela falou. Levaram ela ao médico, e deram sempre na hora certa o remedinho que ele mandou. Foram elas que ensinaram a princesinha a engatinhar, e viram os seus primeiros passos. Atrás do portão fechado daquela casa, guardaram a bebezinha como uma jóia preciosa, com todo o carinho e cuidado que ela merecia.

Que trabalho mais lindo o destas fadinhas. Cuidar assim de uma princesa, sabendo que um dia ela iria para a casa dela com o papai e a mamãe. No dia em que eles chegaram para buscar a bebezinha, as fadinhas  estavam ao mesmo tempo felizes e tristes, um sentimento difícil de entender, mas que se via nas lágrimas que corriam pelo rosto de todas elas. Felizes porque finalmente tinha chegado o dia tão esperado, em que o portão se abriria e a princesinha conheceria o mundo lá fora, de mãos dadas com o seu papai e sua mamãe para sempre. Mas também um pouquinho tristes, pois sentiriam falta da princesa mais sapeca de que já cuidaram. A loirinha que abria o cercadinho para os outros bebês fugirem, e que roubava o prato de bolo de chocolate para comer escondida em baixo da mesa.

A mamãe da princesa nunca vai achar as palavras certas para agradecer o cuidado destas fadinhas, que fizeram pela bebê o que a mamãe não pôde fazer, enquanto não a encontrava.  Ela viu aquelas mesmas lágrimas no rosto das fadinhas ontem, quando foram todos juntos visitar a casa dos bebês pela primeira vez, passado pouco mais de um ano do dia em que vieram buscá-la. A princesinha pareceu não se lembrar do lugar, ou dos nomes e rostos das fadinhas que tanto lhe cuidaram. Mas as fadinhas não se importam. Elas sabem que ficará gravado para sempre no coração e na vida da bebezinha, o amor e cuidado que recebeu delas naquele tempo. Elas cuidam agora com o mesmo carinho de outros bebês que estão a espera de seus pais, outros pequenos príncipes e princesas que foram escolhidos por Deus e para merecerem o cuidado  das fadas de avental verde, fadas que apesar de chorarem de vez em quando, sabem que têm o trabalho mais importante do mundo.


Obrigada fadinha Naty, fadinha Roseli, fadinha Eunice bebê, Fadinha Viviane, fadinha Valéria e todas as outras fadinhas da casa dos bebês. Vocês morarão para sempre no nosso coração.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Carta para a Tia Paulinha

Aprendi tanta coisa neste primeiro ano de escolinha, que é difícil até de contar. Contar mesmo eu já sei, até 10 sem nenhum tropeço, é até 20 mudando a ordem do "cacorze" e do "dezeoito" de vez em quando. E embora eu já conheça muito bem a letra do meu nome, e razoavelmente bem a letra do nome do João, da Maria Clara e da Luana (a da Gabi não vale... é a mesma letra do meu!), ainda preciso aprender algumas letrinhas até que eu possa escrever esta carta sozinha. Sendo assim, por ora, ela vai ser escrita pela minha mamãe... ela gosta mesmo de escrever e está com um sentimento de aperto no peito, querendo falar mesmo umas coisas para você, minha querida Tia Paulinha. Isso tudo porque amanhã é o meu último dia de aula. Último dia de aula com a minha primeira professora. Ou o meu primeiro último dia de aula. Primeira... último... Que complicado! Então aí vai.

Tive a grande sorte de ser aluna da única professora do mundo que vai para a escola todo dia e não trabalha. Não é que você não dê aula ou não cuide da gente direitinho não... muito pelo contrário! Você mesma diz que ama tanto o que faz, mas tanto, que, para você, segunda-feira é o dia mais feliz da semana. Isso porque, como você disse à minha mamãe logo que se conheceram, a sua profissão é tão boa que nem parece trabalho. Engraçado... lá em casa é o contrário. Na segunda-feira tanto a mamãe quanto o papai costumam me dar mais bronca do que no sábado... Acho que o trabalho deles parece trabalho mesmo.

Disciplina japonesa, com carinho brasileiro, Foi o que a mamãe ouviu na primeira reunião de pais, e o que eu encontrei todas as manhãs que passei com você, tia Paulinha.   A paciência tinha que ser mesmo oriental... eu sei que dei trabalho para a aprender a passar "colinha no bumbum", e parar quietinha na cadeira na hora do lanche. Mas você nâo desistiu, tia Paulinha, e até ensinou a minha mamãe como é que se faz. Agora tem colinha lá em casa também.

Também aprendi a comer a frutinha primeiro, a agradecer o lanchinho e desejar bom apetite e andar de costas pelo corredor puxando os amiguinhos pela mão. Igualzinho você, tia Paulinha! Meus desenhos, que eram abstratos rabiscados, são agora abstratos com olhinhos e perninhas, que todo mundo acha que são ETs (mas eu e você sabemos muito bem que são o lobo mau e a chapeuzinho)! E você e a tia Carla me contaram esta história - minha preferida - de novo, de novo e de novo, sempre que eu trazia o meu lobo ou que você deixava a gente usar a capa vermelha . Foram tantas vezes,  que eu não vou nunca mais me esquecer. Assim como eu nunca vou esquecer o tanque de areia, os dias da culinária, o dia e que a gente andou de "omnimus" para ir ensaiar quadrilha na escola dos grandões, o lindo e delicioso dia da piscina (que foi um só, apesar das suas tentativas!), o dia em que a gente subiu no palco pela primeira vez para ensaiar, e o sempre tão esperado...  dia do brinquedo. Acho que eu nunca te contei na nossa roda de conversa, tia Paulinha, mas todos os dias do ano letivo eu acordei peguntando para a minha mamãe, antes mesmo do bom-dia: "hoje é dia do brinquedo?"

É isso que você faz com a gente, tia Paulinha. Você não apenas ensina para a gente o nome das cores, o círculo o triângulo e o quadrado. Você não apenas mostra para a gente que a vida tem uns combinados que a gente tem que cumprir. Você não apenas ensina a gente que dá para ficar umas horinhas longe da mamãe sem chorar. É muito mais que isso, Tia Paulinha. Mais do que ler os livros do "Mundinho" em voz alta, você insere a gente em um mundo novo, no mundo da escola, na qual à passaremos muitos anos da nossa vida. Graças a ter tido você como minha primeira professora, tia Paulinha, esses dias cheios de alegria ficaram gravados no meu coração, assim como a tinta ficou para sempre nas minhas camisetas de pintura... se depender da minha primeira professora, acho que também vou gostar muito das segundas-feiras. Obrigada, de coração!



Um grande obrigado também para a tia Carla, que nunca se cansou de cantar comigo a música da Ana e da Elza, e que regou com todo carinho o meu pezinho de hortelã, dentre tantas outras coisas. Obrigada também à Tia Isa, que nos conquistou tão rapidinho, e à querida tia Gi, que com tanto carinho me fez sempre companhia na espera da minha mamãe atrasada.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Crescer dói a cabeça!

A cabeça da Gi bateu pela primeira vez no batente da porta da casinha de madeira que tem aqui no nosso prédio. Isso nunca tinha acontecido antes. Ela passava direto correndo, sem precisar abaixar. Antes mesmo que eu me desse conta do seríssimo significado do ocorrido, ela mesma, em sua esperteza, adiantou: “Mamãe, eu já estou gandona!” (sic).

Ai que dor. Não na minha cabeça, que não foi a que bateu, mas no meu coração. Contraditória e inconsistente, é isso que eu sou. Brigo todo dia com a Gi para ela comer tudo, para crescer e ficar forte. Mas ao ver ela crescer tão rápido, quero secretamente que ela fique pequenininha por mais tempo. Como ela mesmo diz com frequência: “que mamãe maluca!”.

Está para completar um ano que a nossa vida mudou para sempre. Foi o ano mais feliz de que posso me lembrar. Comparando o índice pluviométrico de lágrimas, com os dos anos passados de tão longa espera, tivemos uma seca histórica. Houve sim alguns momentos de aflição e angústia. Queríamos presentear a Gi com algo muito importante que a vida pareceu nos oferecer, mas acabou nos negando. Daí vieram as lágrimas que não deixaram o índice zerar. Foram poucas, mas muito doídas. De todo modo, hoje sabemos que houve uma razão para Deus nos fez esperar tanto tempo da primeira vez: a Gi ainda não estava pronta. Agora, tenho que acreditar que toda negativa da vida tem uma razão, que talvez viremos – ou não – conhecer um dia.

Neste ano a Gi colocou de fora as asinhas, que, por um bom tempo, ela não teve espaço suficiente para bater. Passou das poucas palavras à atual metralhadora de porquês (a gente segue procurando o botãozinho onde desliga a matraca, que vira e mexe dispara desenfreada). Curte tudo o que tem direito, no limite. Quer brincar até o último suspiro de sono. Já acorda falando do que quer fazer hoje. Nas nossas férias na Alemanha, ela mostrou que não passa apertado no quesito sociabilidade, nem mesmo no estrangeiro. Ficamos com cara de pastel, ao observar a figurinha interagindo no parquinho com crianças que não entendiam uma palavra do que ela dizia. Alguns olhares e um sorriso bastavam, para que ela conseguisse rapidamente a chance de brincar junto com eles. Seguimos aprendendo com a nossa pequena grande pessoa. E até diversificou o vocabulário: “Nein”! É agora a resposta padrão quando a chamamos para escovar os dentes.

Ainda que a nossa casa seja hoje muito menos organizada do que antes e a nossa rotina em alguns horários quase caótica, toda essa bagunça me trouxe, por mais paradoxal que pareça, acima de tudo, equilíbrio. É de equilíbrio a sensação que tenho ao ver a foto dela sobre a minha mesa de trabalho, mesmo quando o bicho está pegando por lá. É equilíbrio ajudá-la a escolher que boneca ela vai levar para escola no dia do brinquedo, antes de ter que escolher qual e-mail eu vou responder primeiro na empresa. É equilíbrio acordar de noite com o chorinho dela se escapou xixi na cama, ao invés de acordar pensando no contrato que preciso fechar no dia seguinte.

Sou grata todos os dias por este equilíbrio, e pela Giovanna estar crescendo linda e saudável. Junto com ela cresço eu. Vou me tornando não só mais mãe a cada dia que passa, mas aprendendo que, ainda que doa um pouco, a gente nunca pára de crescer.
Giovanna batendo as asinhas na Alemanha

segunda-feira, 17 de março de 2014

Seis meses



Estão para terminar os seis meses mais marcantes de toda a minha vida. Licença maternidade é uma invenção moderna para dar à mulher que trabalha uma pequena provinha daquilo que ela foi, na verdade, criada para fazer o tempo todo: cuidar dos filhos.   Por este ponto de vista, é um período engraçado, em que de uma hora para a outra a gente vira “café com leite” no trabalho: seja por força de lei, seja por bom senso, ninguém mais nos cobra nada. Quando te ligam pedem mil desculpas. Os e-mails não esperam mais ser respondidos. Os convites para reuniões param de chegar. Tudo isso porque um bem maior e muito mais frágil do que qualquer assunto de trabalho depende da nossa total atenção. Temos pouco tempo para despertar o instinto materno, adormecido pelas infindáveis reuniões e abafado pela roupa de trabalho. Temos que esquecer a senha do computador e a rotina de escritório para aprender rapidamente uma tarefa completamente nova: cuidar de um bebê.

Bom, para mim, a licença maternidade foi ainda mais do que isso. Em apenas 6 meses, vivi acontecimentos que a maioria das mães vive em 2 anos. Explico com um exemplo.

No período de seis meses troquei a primeira e possivelmente a última fralda da minha vida. Ainda me lembro do frio na barriga que deu, quando ainda no abrigo a cuidadora me disse: essa fraldinha aí a mamãe é que vai trocar... e agora, poucos meses depois, a nossa bebê desfraldou, dia e noite, logo na nossa primeira tentativa. Ficamos nós dois, bobões, com o estoque enorme de fraldas que compramos logo que ela chegou, guardado lá na dispensa, ao lado das latas de molho de tomate. E a cereja do bolo veio estes dias, quando este recém desfraldado ser olha para mim com uma cara bem séria e diz: “a mamãe não vem, tá?... a mamãe fica aí... a Vana quer fazer xixi sozinha”, e fecha a porta do banheiro na minha cara. Ainda com a testa apoiada na madeira da porta, penso: será que o músculo do nosso coração foi feito para suportar acelerações tão bruscas? Um misto de orgulho e pesar me consome: ela vai mesmo crescer, e não vai ser devagar.

Foram seis meses de incontáveis primeiras vezes, cada uma com a carga de emoção e adrenalina que lhe cabe: primeira vez que alguém me chama de mãe, primeira vez que faço alguém dormir no meu colo, primeira vez que preparo uma mamadeira, primeira vez que levo alguém ao pediatra, primeira noite sem dormir, primeira vez que a vacina na perna de outrem dói em mim, primeiro corte de cabelo, primeira ida ao restaurante, primeira febre, primeira diarreia que eu limpo, primeira vez que decido furar a orelha de alguém, primeira festinha em buffet, primeira bronca, primeira palmadinha no bumbum, primeira vez que eu choro por dar uma palmadinha em um bumbum, primeira ida ao teatro, primeira ida à piscina, primeiro Natal com criança em casa, primeira visita ao zoológico, primeira ida à praia, primeira viagem em família, primeira ida ao dentista, primeira vez que ela calçou os sapatos sozinha, primeira frase dela com sujeito, verbo e predicado,  primeira, primeira, primeira...

E agora, para completar a volta dessa montanha russa da maternidade expressa em 6 meses, teve recentemente o primeiro dia de escola. Lá foi a pequenininha, toda de uniforme, orgulhosíssima da sua primeira mochila, de rodinhas, com um palmo e meio de altura. Se teve choro? Claro que teve. Só que não da aluna nova... só da nova mãe.


Essa experiência só me faz perceber o quanto a vida pode surpreender, transformar-se em tão curto espaço de tempo, e o quanto precisamos permanecer atentos para perceber tudo isso acontecendo e não deixar passar nada despercebido. Vale como alerta, que escrevo aqui para eu mesma não esquecer, nem mesmo depois que o meu período de café com leite tiver terminado.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Em mãos

Hoje parei para olhar para você, hipnotizada pelos seus olhões de jabuticaba, e fiquei com uma vontade enorme de dizer um monte de coisas que, aos 2 anos de idade, suspeito que você ainda não vai entender. Eu disse algumas delas mesmo assim. Mas agora que você dormiu – o que vem ocorrendo cada vez mais tarde da noite -, recorri ao teclado para registrar esta vontade por escrito, não deixar este sentimento escapar pela boca e se dissolver na forma de som, que se perde no ar e pode nunca mais ser encontrado. Preso na forma de letrinhas, talvez eu consiga me lembrar deste sentimento em alguns anos, e talvez eu ainda consiga te mostrar um pouquinho dele.

Quando olho para você, vejo a imagem da coragem. Acho um paradoxo olhar para uma pessoa tão pequena, e pensar em uma qualidade com esta, normalmente das pessoas grandes e fortes. Na sua pequeneza e fragilidade de criança, você nos dá diariamente uma lição de coragem.  Afinal de contas, depois de apenas 4 ou 5 visitas, te tiramos de um dia para o outro do lugar que era tudo o que você conhecera desde que nasceu. Te tiramos da companhia das titias que te cuidaram com tanto carinho e te amaram nestes 2 anos de vida, e que eram as únicas pessoas com quem você havia tido contato. Te trouxemos para uma casa nova, te apresentamos dezenas de rostos que você nunca tinha visto (e que pedem beijos toda hora como gente grande tem mania de fazer).  Mudamos o tempero da sua comidinha (muito provavelmente para pior, já que sou eu que cozinho), te colocamos para dormir sozinha em um quarto com uma cama, quando você estava acostumada a dormir no berço e na companhia de vários bebês como você. E para piorar, na sua chegada deixamos cair a sua chupeta atrás do banco do carro, e nunca fomos apanhar. 

Resultado? Nenhuma lágrima, nenhuma expressão ou palavra de medo ou insegurança, desde que entrou pela nossa porta.  Nenhuma! É como se aos 2 anos de idade você tivesse conscientemente decidido virar uma página da sua vida, aceitando com alegria e coragem tudo o de novo que viria pela frente, desde o dia em que fomos te buscar. Lembro bem quando nos contaram que, no dia da sua vinda, você estava desde cedo com a malinha pronta, esperando que abrissem o portão para ir para o que tinham te contado ser a “casa nova”. Quem reage assim a mudanças? Conheço gente que gastou horas com o terapeuta por muito menos. Eu mesma já fiz drama por não querer mudar de sala no trabalho. Sim, como toda criança você também chora, é claro. Mas chora para ficar mais tempo na balança, para não ter que escovar os dentes, porque estão soltando fogos lá fora ou porque quer comer mais bolo. Nunca acordou de noite chamando por um nome que não fosse papai ou mamãe. Nunca sequer sugeriu não ser esta a sua casa. O nosso maior medo, que era você estranhar tantas mudanças e se sentir insegura, nunca se concretizou. Naquela primeira noite aqui em casa, você dormiu tranquila por 12 horas ininterruptas, e eu, umas 2.  

Quando olho para você, vejo também a imagem da desmistificação. O colo sempre compartilhado, a espera mais longa para atenderem ao seu choro, o brinquedo que talvez não fosse o mais estimulante, a falta de alguns dos tantos mimos que cercam os bebês que crescem em casa, à base da melhor fórmula e complemento vitamínico importado... nada disso te impediu de se tornar uma criança perfeita, linda, meiga e esperta, que chama a atenção aonde vai.  Aprende absolutamente tudo o que ensinamos, e nos surpreende quando aprende o que não estávamos sequer cientes de ter ensinado. Ver você descobrir o mundo, aprender tantas palavras por dia, contar até dez, tentar contar até vinte, imitar os bichos que viu no zoológico, lembrar o nome dos nossos amigos, mandar a gente calçar os sapatos por que “o chão tá frio”, cantarolar musiquinhas, perguntar o tempo todo “o que é isso aqui?”, dançar ballet sempre que escuta música clássica no rádio, colocar o CD para tocar sem ajuda, pedir para fazer xixi, querer vestir a roupa sozinha, querer tirar a roupa sozinha, querer fazer tudo sozinha, nos passar pelo menos uma rasteira por dia, com as suas tiradas impagáveis... é como destruir, de uma só vez, muitos dos mitos que ouvimos por aí, sobre o que de fato é necessário para o desenvolvimento infantil saudável.  

Enfim, quando olho para você, vejo acima de tudo a mão de Deus. A mão que nos levou até você, no mar de cadastros, registros, listas de pretendentes, pilhas e pilhas de papeis, balcões de cartórios,  prazos legais e burocracias, servidores públicos motivados e às vezes nem tanto.  A mão que te guardou, te protegeu e te sustentou este tempo todo, te entregando para ser cuidada por tantas (e tão abençoadas) mãos neste período, até que pudéssemos nós mesmos te cuidar. A mesma mão que um dia, se Deus quiser, nos permitirá te entregar esta carta, em mãos, quando você puder entender, direitinho, tudo o que tentei escrever nela. A mão que nos permite hoje segurar bem firme na sua, e te dizer de boca cheia e cheios de gratidão: “dá a mão para a mamãe”, “dá a mão para o papai, dá?”.

Foto: Nilce Pompeu