...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Brilho humilde


Que gentileza sem tamanho, a desse luar. Se condói todo com as luzes aqui de baixo. Especialmente com essas ridiculazinhas, as de natal, que andam por aí esses dias. Ou melhor, que piscam por aí essas noites. Medidas em watts, coitadas, dependentes de fios e da vontade humana, vivem vidas curtinhas, sem graça e de pouco sentido. Ninguém por elas suspira ou uiva. Nem sequer um verso a seu respeito. Logo queimam ou quebram. Saem de moda. Enfiadas num depósito, ficam apagadas até ano que vem ou descartadas, para nunca mais. 

De tão esclarecida e iluminada, há tanto tempo ali observando o mundo de longe e ouvindo elogios a seu respeito, tem a grandeza de disfarçar o seu brilho, seja quarto crescente, ou cheio. Só tem sossego mesmo quando mingua até sumir. Aí pode relaxar despreocupada, sem risco de magoar ninguém.

Mesmo emprestada, já que própria não é, a luz da lua não se presta a comparação com a miséria dos bulbinhos e leds aqui de baixo, por  numerosos e modernos que sejam. Se esconde então ela, elegante e discreta, aqui e ali entre as nuvens que o vento empresta, como a mulher que puxa tímida a toalha para se cobrir quando sai do banho  e percebe que tem visita em casa. Afinal, quem é dona de poder de sedução dessa monta, não precisa ficar por aí se mostrando à toa, exibindo brilho e humilhando lampadinhas, faiscas e vagalumes a troco de nada. Ela deixa para brilhar sozinha, com força e vontade, em outros cantos. Em alto mar, no sítio ou no mato, onde essas pobres luzinhas  não estão, ou se estão quase não se vê. 

Mas às vezes, mesmo com toda a sua clareza de discernimento, não enxerga saída.  Tem que contrariar a sua alma generosa e brilhar como um grito,  escandaloso e despudorado, mesmo aqui na cidade, na presença de milhões de luzinhas infelizes que a observam com dor e inveja. Não porque tenha perdido a bondade, o juizo ou a compostura. Mas porque às vezes simplesmente não se encontra toalha suficiente que lhe cubra.


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