...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

domingo, 22 de maio de 2011

Primavera em Berlin

Não foi à toa que não escrevi nada no mês de abril. No mês de abril todo mundo tem mais o que fazer em Berlin. As árvores, por exemplo, têm que abandonar o seu aspecto seco e cascudo dos últimos 5 meses, preparar os primeiros brotinhos e explodir em folhas enormes e verdíssimas, tudo em um intervalo de 4 semanas. As flores tem que ressurgir subitamente dos bulbos há muito tempo enterrados e dos arbustinhos que se fingiram de mortos durante todo o inverno. E o fazem em cores escandalosas que eu nem sabia que existiam aqui, onde meus olhos se acostumaram com tanto cinza.

Tudo na primavera é exagerado. É como quando a gente emerge na superfície da água, depois de ficar um tempão sem respirar. Aquela tomada de fôlego profunda, quase que em desespero. De um dia para o outro, todo mundo foi para a rua. No primeiro final de semana em que a temperatura passou dos 15 graus, pensei que estava acontecendo alguma manifestação no nosso bairro. Não sabia que morava tanta gente aqui. Onde estava todo mundo, esse tempo todo?

As saias estão subitamente muito curtas. Nunca vi tanta perna de fora, pelo menos fora da praia. Para fora também estão todas as mesinhas dos restaurantes, cujo interior, ora aconchegante e quentinho, agora é escuro e muito menos atrativo do que mormaço lá de fora. Os passarinhos cantam muito, e muito alto (alguns um pouquinho cedo demais). O sol não quer ir embora antes das 9 da noite. O por do sol é tão longo, que a gente desiste de assistir. As árvores estão tão carregadas, que soltam no vento uma pluminha branca feito algodão, dançando para lá e para cá, aos milhares, como se a primavera quisesse oferecer de tudo, até um pouquinho neve, mas ao seu próprio estilo.

Da nossa sacada pudemos observar a mudança também na casa das pessoas. Janelas finalmente abertas, arrumação nos jardins e floreiras, criançada e suas toncas para fora. Na feira, além de todas aquelas frutinhas vermelhas que a gente não sabe o nome, é tempo de aspargo. Esse legume está para o alemão assim como o carnaval está para o carioca. É uma febre, uma unanimidade, quase que sagrado. Sendo estrangeiros, então, não passamos um dia sem que um alemão nos pergunte, com aquela expressão de expectativa e orgulho: “e então, o que estão achando dos aspargos”? Todo mundo tem uma opinião sobre qual é o melhor, o mais fresco, e a melhor maneira de preparar. E como o carnaval, ele só dá nessa época, por isso, quanto mais você aproveitar, melhor, por que depois... só no ano que vem.

Parece que a gente se mudou de cidade, sem sair de Berlin. Tudo está diferente de quando chegamos aqui. Até a gente está diferente. Nunca valorizei tanto uma brisa morna no rosto, um pé descalço na grama, uma camiseta de manga curta. Acho que as estações fazem isso com a gente. Ensinam desfrutar aquilo de que fomos temporariamente privados, ou que sabemos que não estará aqui para sempre. Tudo muda, para depois mudar novamente. Se a natureza faz assim, quem somos nós para achar que deve ser diferente? Estou gostando de contemplar isso tudo pela primeira vez, aqui da nossa sacada, que só recentemente passamos a frequentar.


6 comentários:

  1. Demorou, mas vc escreveu um post bem interessante, de uma Berlin que não imaginava que pudesse ser assim - passarinhos cantando alto, flores muito coloridas e principalmente a temporada de aspargos! Bacana mesmo, agora curta o Sol da primavera antes que ele vire Sol de verão e aí o calor irá lembrar o RJ!

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  2. Prezada Andrea,
    um belo texto que exprime bem a atmosfera desta Primavera berlinense!
    Mas você esqueceu informar os teus amigos brasileiros sobre esta planta maravilhosa que se chama ruibarbo :-)
    Abracos, Christoph

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  3. Finalmente, mais uma postagem!
    Como vocês estão?
    Saudades!
    Beijos,
    Priscila Marchello

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  4. Que saudades!!!
    Acho que agora vai ficar mais animado por aí...
    Nada como um calorzinho de 15 graus, né?
    Espero que a primavera seja demais!!
    beijos

    Paula

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  5. Erly Carlos Kischlat25 de maio de 2011 às 18:49

    Eu também já estava sentindo falta dos seus textos,mas hije o Márcio me avisou: tem palavrice nova para ler. Seus textos são uma delícia. Senti-me transportado para a sacada do seu apartamento.

    abraços, Erly

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  6. Oi Dé td bem? Escreve sempre mais para nós!! Para nossos olhos e corações serem agraciados com suas sabias e boas escritas!! Bjs bjs

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