Na segunda tentativa, conseguimos assistir ao concerto ao ar livre da Orquestra Filarmônica de Berlin. Ele acontece todos os anos, no verao, em uma arena construída no meio da mata, quase nos limites da cidade. Vimos este concerto uma vez na televisão no Brasil, em um canal a cabo, e ficamos encantados com o lugar e com a música. Assim que soube da data do concerto deste ano, corri comprar os ingressos, e esperamos quase dois meses pela grande noite, que ao invés de grande, foi molhada. Chovia tão forte, que os músicos não tiveram coragem de arriscar estragar seus instrumentos com a água que o vento soprava para dentro do palco, ainda que coberto. Concerto cancelado, voltamos para casa ensopados, e frustrados.
O concerto foi transferido de julho para agosto, e finalmente aconteceu nesta última terça-feira. Desta vez uma noite sem chuva, com uma brisa morna, ideal para qualquer atividade ao ar livre. E lá estava mais uma vez aquela multidão, de 20 mil pessoas, que, como nós, havia aguardado com resignação a nova tentativa.
Sim, 20 mil pessoas. E é sobre elas que eu preciso falar. Nunca pensei que uma quantidade tão imensa de gente, reunida ao ar livre, fosse capaz de produzir aquele silêncio absoluto. No momento em que o maestro pegou a batuta e se virou para a orquestra, não se ouvia absolutamente nada, a não ser um ou outro passarinho mais desavisado, ali daquela mata, que não se deu conta que era dia de visita, e das importantes. Um respeito impressionante. Mesmo onde estávamos sentados, em um dos setores mais distantes do palco, ninguém abria o bico, como se estivéssemos todos dentro de uma pequeníssima sala de concertos, em uma apresentação para uma seleta platéia.
A música foi excelente, o cenário, de tirar o fôlego. Mas preciso confessar que passei grande parte do tempo olhando ao meu redor, e não em direção ao palco. Não pude deixar de reparar nos pequenos detalhes, que mostram claramente a capacidade que os alemães têm, de harmonizar tão bem o erudito com o popular, o simples, o essencial. Não havia sequer um expectador sem uma mochila ou cestinha a tiracolo, com uma merendinha para comer ali, durante o concerto. Não pense você que me refiro a um vinhozinho com queijo, para combinar com o requintado evento. Não, longe disso. Um mar de "tupperwares" coloridos, com tudo o que você possa imaginar, de linguiça defumada a ovo cozido, passando por tirinhas de pepino e batata assada. Sim, uma farofa daquelas, das boas (obviamente sem a farofa em espécie, artigo desconhecido por aqui). O ponto é que a autenticidade do alemão não deixa espaço para falso recato. Nunca ouvi aqui o equivalente da expressão "será que nao vai pegar mal?". Se o cidadão come banana em casa, porque é que não pode descascar a sua fruta tropical ali, enquanto escuta a Filarmônica de Berlin? Nada mais autêntico, para provar que cultura nao é sinônimo de frescura, nem de aparência de status.
A disposicão dos alemães é outra coisa que não posso deixar de notar. E ela estava absolutamente evidente ali, naquela amostra gigante de pessoas: idosos aos montes (sozinhos, em grupos ou casais), famílias completas, gente jovem que acabara de sair do trabalho: todo mundo chegando de transporte público, a despeito da idade ou da classe social. Nada de manobrista, flanelinha ou "vallet". As pessoas iam chegando, uma a uma, com as suas almofadinhas, de espuma ou infláveis, em baixo do braço, já cientes dos "confortáveis" bancos de madeira que as esperavam lá (aliás, boa lição para nós novatos, para o próximo ano).
Vinte mil pessoas, cada uma com um perfil, uma história própria, e uma comida diferente no seu "tupperware". Uma multidão tão heterogênia, subitamente capaz de adotar um comportamento ordenado, harmônico e respeitoso, digno da boa música e da beleza daquele lugar. E se tiver um salzinho, por que não um bom ovinho cozido para acompanhar?
Andréa,
ResponderExcluirVocê me levou ao local! Ouvi os pássaros e até tive vontade de fazer um psiu, pensando tratar-se de uma ave brasileira, não acostumada à tanta disciplina e respeito. Confesso que quase pedi ao alemão do lado se não tinha um ovinho sobrando...
Adorei, Marcio
Andrea,
ResponderExcluirvocê escreveu um texto lindo. Interessante compartilhar as impressões de quem recentemente veio morar aqui.
Estou feliz em ver sua integração tão ciente,
Thomas.