...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

quarta-feira, 22 de maio de 2019


Um ano a quatro

Tatinha, hoje é um dia muito especial. Há exatamente um ano, respirei aliviada quando finalmente entramos pela porta da sala carregando o seu bebê conforto e colocamos ele cuidadosamente no chão. Pronto. Meus ombros, tensos há dias, desceram amolecidos.  Você estava em casa e era nossa para sempre. Posso contar este tempo tradicionalmente em meses, semanas e dias, ou nas vezes (muitas) em que meu coração ficou mais leve, cada vez que você abriu o seu sorriso delicioso. Sorriso que foi ganhando cada vez mais destes seus mini Mentex branquinhos, que hoje compõe o seu sorriso de criança, não mais aquele sorriso banguelinha de bebê.

Seu rostinho era redondo como uma lua, e sua cabeça ficava quase toda a mostra, com uns cabelinhos claros e ainda ralinhos e bagunçados. Agora eles já se aventuram em cachinhos, mais cheinhos e encorpados, sempre cheirosos, mas que ainda teimam em fazer bagunça para combinar com você.

Vimos você aprender a segurar a colher, jogar as coisas brava no chão, engatinhar, andar e agora correr e escalar. Vimos você despertar na Gigi o verdadeiro amor de  irmã. Aquele que oscila entre o amor (nos muitos momentos de carinho e chamego) e o ódio (sempre que você baba na boneca ou na borracha dela), mas que faz ela te defender de tudo e exibir você por aí como um troféu. E você aprendeu rapidinho a acompanhar essa sua irmã tão especial por onde ela vai, a rir com vontade de tudo o que ela faz, e imitar tudo o que já consegue, escolhendo assim desde logo os lugares mais altos e perigosos da casa para as suas escaladas.

O tempo que passo longe de você e da sua irmã hoje em dia tem dois efeitos opostos. Por um lado, descansa meu corpo e ouvidos (o som de vocês é ininterrupto, a correria é constante e a bagunça perene,  o que por sua vez também faz com que eu mesma dê vários gritos dos quais me arrependo sempre). Mas ao mesmo tempo, o tempo longe de vocês cansa a minha alma, que se desconecta em parte de mim, e só resolve voltar quando nos encontramos. Ela fica amuada, entediada, e vê pouco sentido no que ando fazendo por aí. É como se fizesse birra, igual a certas pessoas... Se joga no chão, bate os bracinhos no ar e faz um bico enorme. Acho que ela se dá conta que enquanto vocês estão em casa crescendo diversos milímetros por  hora (pelo menos essa é a impressão que dá!), eu corro de lá para cá ocupada com tarefas e reuniões que no final se mostram muito menos importantes do que o seu convite, Tatá - com a mãozinha minúscula batendo no assento do sofá -  para eu sentar do seu lado e ver você riscar o papel. Aliás, como é que pode já segurar o lápis tão direitinho?

Este foi o primeiro ano de uma família que agora está completa, com a sua chegada. Você, Tatá, é para mim o símbolo da esperança (considerando não apenas o tanto que foi esperada, mas que a beleza e a vida podem surgir de onde nunca se espera... e de onde não mais se espera).  Todos os dias, quando te coloco no berço, repito que a mamãe te ama, o papai te ama, a Gigi te ama e o Tobias quase sempre te ama (talvez ele também amasse o tempo todo se você não roubasse o osso dele para por na sua boca). Repito isso aqui, Tatá, agora por escrito, para que nos muitos anos que virão, assim permita Deus, você nunca se esqueça de todo esse amor que  foi capaz de criar.  
 
 

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Tatatá




Agatha, não tem como eu deixar o dia de hoje acabar sem pendurar nesta tela em branco do computador as palavras que andam rodando na minha cabeça há algumas semanas, soltas, querendo ser registradas para o dia em que você puder entender. Foram sete meses de convívio absolutamente intenso com você. Muitas vezes cercadas pela nossa família, que te ama tão loucamente quanto eu, mas também tantas vezes só nós duas. Aqui na nossa casa, na rotininha que o seu status de bebê requer, entre banhos, mamadeiras e passeios no sol, nesta pausa maravilhosa que a vida me concedeu para te conhecer e receber os presentes que você me trouxe, não sem bem de onde, com a calma e o tempo que eles merecem.


Lembrar como é sentir o amor puro de verdade, com total intensidade e sem receio de entrega, foi o milagre que você fez em mim. Atendi ao convite dos seus olhos enormes, para um contato intenso e profundo, que diariamente foi me trazendo de volta, me resgatando e resgatando minha esperança de me encantar novamente com o mundo, uma parte da inocência que eu tinha largado por aí nas curvas pelas quais a vida às vezes nos leva.   

Vi seu sorriso imenso e gostoso, aquele mesmo que você nos ofereceu de graça logo no primeiro dia em que nos conhecemos, ainda banguela, ir ganhando o recheio de dentinhos, desde o primeiro até o nono, que despontou aí outro dia, não te deixando dormir à noite de febre e incômodo. Vi você começar a engatinhar como uma lagartinha em cima da cama, depois rápida com os joelhos coordenados no chão, e logo estava se apoiando para ver de pé o que tinha em cima do banco. Torcemos pelo seu primeiro passinho com mãos dadas, depois sozinha, e agora te vejo passar correndo de lá para cá no corredor, ainda meio cambaleante, mas determinada, enquanto guardo na cozinha tudo o que você tirou das gavetas enquanto eu cozinhava.

Vi você fazer caretinha com a boca toda suja de feijão preto, fazer bagunça na banheira, puxar, impune, tufos de pêlos do cachorro. Aprender a gostar de dormir no seu berço, que no início parecia ter espinhos, e onde agora você deita tranquila, enfiando a cabecinha nas almofadas, depois de balançar o bumbum e abraçar o seu coelho Godofredo. Vi você se arriscar nas suas primeiras pseudo-palavras, que por enquanto se resumem a três: “papapo” (termo multi-propósito que serve tanto para “sapato”, “sapo” quanto para “macaco”), “pu-pu” (vulgo “piu-piu”, mas que além de aves abarca tudo o que vôa, incluindo borboletas, mosquitos e pipas), e “não” (este último termo de uso intensivo, dispensando explicações).  Vi você conquistar a sua irmã logo no primeiro olhar, irritá-la com a sua baba nos brinquedos e seu choro nervoso, e logo depois voltar a fazê-la te amar com o seu abraço aconchegante, sempre acompanhado de uns tapinhas nas costas, das suas mãos gorduchas.

Virei nestes tempos uma pessoa ainda mais aficionada por fotografar, filmar e gravar tudo o que você e a sua irmã fazem, falam, vestem. É uma chatice mesmo, uma fixação paranoica. Parece que se eu não fotografar, o momento não aconteceu. Certamente um desvio grave, vindo do meu subconsciente que quer vencer o decurso do tempo, aprisionando estes momentos simples para sempre, ainda que seja na memória do celular, no hardware do laptop, na página do photo-book que eu insisto em mandar imprimir. Desse jeito, a minha licença maternidade não acaba. Vocês não crescem. Sua risadinha continua assim inocente e abundante para sempre. E seus olhos continuam querendo para sempre buscar a minha alma, lá dentro de mim.



Amanhã não vai ter jeito, Ágatha. Vou voltar para o trabalho para valer, e te ver pouquinhas horas do dia, ao invés de o dia todo, como eu e você estamos acostumadas. Já te expliquei lá no seu bercinho, agora há pouco, e você, de novo me deu um presente, ao ouvir tudo me olhando e no fim dizer “tá”. Claro que pode ter sido uma sílaba solta dessas que você cantarola comigo no banheiro sem parar. Qualquer um diria isto. Mas eu creio que foi você me confortando e me lembrando que TÁ tudo bem. TÁ tudo ótimo. Você TÁ aqui. Você é a TATATÁ (AgaTHÁ), como brincamos e você repete. E TÁ mesmo, TATATÁ. Entre os presentes que você me trouxe, está o desejo antigo, agora amadurecido e transformado em objetivo, determinação, de encontrar um caminho onde eu possa andar mais pertinho de você e da sua irmã, e também mais perto de mim mesma. Vamos conseguir, TATATÁ. Pode dormir tranquila.