...palavras são o que teimamos em usar para vesti-las.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Léo e o leão


O Léo é a criança de 4 anos que passou as festas conosco, após conseguir uma autorização do juiz da vara da infância e juventude. Ele mora em um abrigo. Fomos até lá um dia para tentar acelerar a nossa procura por um bebê para adotar. Encontramos uma grande pequena pessoa, para nos ensinar a esperar.

Na nossa casa, tudo o que ele queria era “atitir filme”. O mesmo filminho do Tarzã, repetidamente, à exaustão. Abrindo a boca de sono todas as noites ele teimou que ainda não era hora de dormir, não queria que o dia acabasse. A única coisa capaz de distrair sua atenção dos desenhos era a palavra mágica... “piscina”. Lá ia ele correndo buscar a “shunga” de lycra azul, no quarto. Quarto este que, desde o primeiro dia da sua estada lá em casa, ele passou a chamar de seu. E na água da piscininha do prédio, de meio metro de profundidade, ele vibrava e não parava de sorrir, como se estivesse no maior dos parques aquáticos.


Há 2 anos no abrigo, ele foi afastado da mãe por problemas que não convém aqui detalhar. Não é difícil entender a afinidade do menino com o homem da selva. Toda a história começa com uma gorila encontra um bebê sem mãe, e o cria como se fosse seu. Não precisamos de Freud para explicar.



A sacola que dei para ele guardar os brinquedos que ganhou do papai Noel não saía do seu ombro, que até pendia para o lado de tanto peso. Onde íamos passear ele queria levar os brinquedos (todos) a tiracolo. Era um sufoco eleger um e deixar os demais em casa, parece que tinha medo de voltar e eles não estarem mais lá. Agora que ele voltou para o abrigo entendemos melhor. Foi colocar os pés lá e os brinquedos literalmente se pulverizaram, nas mãos de outros meninos, que não ganharam brinquedo novo neste Natal.



Contando assim pode parecer triste, mas o Léo nos ensinou com alegria que vale à pena esperar. Enquanto estamos aflitos em pensar nele agora, lá no abrigo dividindo a atenção dos poucos tios e tias com tantas outras crianças, esquecemos que foi justamente lá em que ele aprendeu a esperar a sua vez e a ter uma certa sabedoriazinha, se é que se pode falar assim. Esperando a decisão que vai definir a sua vida (voltar para o convívio com a mãe, com sérios problemas, ou ser direcionado para adoção), ele aprendeu, desde tão cedo, coisas que muita gente passa uma vida sem entender: não podemos ter tudo o que queremos, dificilmente as coisas acontecem na hora que queremos e, principalmente, que cada momento que nos é proporcionado deve ser curtido ao extremo (ainda que isso signifique saltos frenéticos de alegria ao ver um colchão inflável se encher).


Levamos o Léo ao zoológico pela primeira vez. Chegando lá, de tanto calor que fazia o leão estava dormindo na sua toca, e a decepção era geral. No último segundo, o bicho resolveu sair de lá e se mostrar para a criançada. Foi um alvoroço. Não foi o Léo que teve sorte de ver o leão. Estou convencida de que o leão é que se deu conta de que ali havia um menino para quem valia à pena aparecer. Aliás, nós também acabamos saindo um pouco da nossa confortável “toca” neste Natal. Tudo por causa do Léo.

8 comentários:

  1. Fantástico! Parabéns pela habilidade de falar tudo sem falar o óbvio. Emocionante. Beijo. Fabio

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  2. Sair da toca não é tudo, talvez nem seja nada. Importante mesmo é aprendermos a viver a liberdade da opção de uma vida sem toca.

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  3. Brilhante a forma de expressar quantas coisas uma criança é capaz de nos ensinar, e ainda tem muita gente que pensa que uma criança vem só para dar trabalho, que a gente tem que dar tudo para elas, que não tem ganhos, que custa caro...e infelizmente não conseguem enxergar os aprendizados, os ganhos, as emoções, o amor...acredito que o mais puro e mais verdadeiro que existe. Parabéns pela sensibilidade com as palavras. Eu já consegui enxergar o Leo e o prazer que deve ser sair da toca com ele. CG

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  4. Prima, linda a maneira que vc encontrou para descrever a alegria de estar com esta criança iluminada.

    Parabéns pelas palavras !!!

    Flavia

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  5. Sabe... quando conheci o Léo, eu te dei parabéns por fazer algo tão legal para ele, que como você descreveu, tem tantos problemas apesar da pouca idade. Naquele momento não entendi que deveria ter dado parabéns e agradecido também a ele que acrescentou e marcou um natal diferente com os valores que realmente importam. E no final todo mundo saiu ganhando...

    Bjo

    Quel

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  6. Quantos Leos esperam por Andreias.....maravilhosa atitude de entrega e disposição!!
    Fiquei encantada e muito emocionada com a maneira como você se expressou...Conheci você no aniversário de seus pais...Sou amiga deles.
    Mas Deus a conhece antes de nascer!!!!! Entregue seu caminho ao Senhor, Confie Nele, que o mais, Ele fará...
    Muitos beijos desta sua novíssima fã.
    Parabéns!!
    Marcia Pommella

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  7. Andrea,
    Fiquei muito emocionada. Tenho certeza que na vida aprendemos muito com esses momentos e com essas pequenas pessoas tão especiais. Eu, como vc bem sabe, também sei o que é esperar o momento certo, para recebermos de presente da vida aquilo que tanto desejamos. Somente Deus é quem sabe o momento certo para todos nós, em relação a tudo em nossa vida. Resta apenas termos a paciência, a sabedoria de esperar e a confiança e fé necessárias.
    Beijos no coração.
    Nalva

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  8. Gorbs,

    Como você escreve bem! Fiquei muito emocionada com o relato e de saber que vocês, pessoas de coração tão grande, passam por uma experiência no mínimo maravilhosa dessas e ainda acham espaço para aprender enquanto a maioria das pessoas só pensaria em ensinar...

    Admiro a grandeza do proveito de vocês com a experiência dessa forma tão incrível e por ter provado tão bem que "ninguém é tão velho que não possa aprender e nem tão novo que não possa ensinar".

    Espero que possa conhecer o Léo qualquer dia... mas já sei que sorte ele tem de poder passar o tempo com vocês!

    Beijos,

    Thaís (Paxo... rs)

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